DOENÇAS MENTAIS CONTINUAM NEGLIGENCIADAS
Em função do tratamento e da melhoria que apresentava, José Ernesto recebeu alta e voltou ao convívio familiar, com recomendações de dar seguimento à terapia em ambulatório. Infelizmente, no mês de Agosto daquele ano (2021) foi encontrado na rua descompensado, muito agressivo, com discurso incoerente e descuido da higiene, de formas que foi internado novamente para acompanhamento psicoterapêutico até que melhorou e foi enviado para casa.
José Ernesto teve uma recaída em Abril de 2022 devido ao abandono terapêutico e voltou a ser internado até hoje. O seu estado clínico registou melhorias significativas, mas os seus familiares recusam-se a acolhê-lo.
Por sua vez, Josemar Agostinho, 37 anos, também está internado desde 2020 no Hospital Psiquiátrico com o diagnóstico de esquizofrenia simples. Na altura apresentava agressividade, agitação psicomotora, delírio, perseguição, alucinações visuais e auditivas, para além de desorientação no tempo, espaço e em pessoa.A equipa de reportagem do Jornal de Angola encontrou- o sentado num banco corrido de madeira, isolado dos demais, trajando um pijama azul. O seu olhar estava lúcido e orientado, o que indicava evolução na sua condição de saúde mental. Infelizmente, não consegue dizer a localização dos seus familiares por ter uma patologia crónica e degenerativa que lhe compromete a parte cognitiva.
Carecem de atenção
A sociedade angolana deve prestar maior atenção à saúde mental dos indivíduos para diminuir o número de cidadãos acometidos com esquizofrenia, ideias delirantes e transtornos do humor causados pelo consumo excessivo de álcool e de outras drogas.A situação é de tal forma alarmante que o Hospital Psiquiátrico da província da Huíla, localizado a 37 quilómetros da cidade do Lubango, atendeu, nos últimos três anos, um total de 30.900 pacientes em consultas externas.
Até ao terceiro trimestre deste ano (Janeiro a Setembro) aquela unidade sanitária de especialidade atendeu 6.635 pacientes, dos quais 3.197 femininos, uma cifra de mais de 1.601 em relação ao mesmo período do ano anterior.
Deste número de pacientes, com idades entre os 15 e os 45 anos, 1.229 foram internados e outros 5.406 foram atendidos em regime ambulatório e já tiveram alta médica.
Na opinião do director em exercício do Hospital Psiquiátrico da Huíla, Idezibal Aldino, o aumento do núme- ro de casos de doentes mentais na região merece a devida atenção de toda a sociedade huilana, em particular, e angolana no geral.“A doença mental incapacita o indivíduo quando não tratada e dificulta a sua inserção social. O que mais preocupa é o facto da maior parte das pessoas acometidas com transtornos por consumo de álcool e de outras drogas, transtornos de humor (onde estão inclusas as ansiedades) serem jovens entre os 15 e os 45 anos. Estamos a falar da população economicamente activa, daí assistirmos a uma grande distorção de comportamentos a nível social”, afirmou.
De acordo com Idezibal Aldino, mestre em Psicologia da Saúde, os principais diagnósticos dos doentes mentais têm sido esquizofrenias, transtornos de humor, de ideias delirantes, por consumo de álcool e de outras drogas, para além da epilepsia, que é uma doença neurológica com manifestação semelhante à doença mental.
Quanto às causas das doenças mentais, frisou, podem ser genéticas, sociais, económicas ou do estilo de vida.“As causas destas patologias são variadas, basta que tenhamos sentimentos e sensações para estarmos sujeitos a uma patologia de foro mental e haver necessidade de ajuda profissional. Deve-se cuidar da saúde mental da mesma forma que cuidamos da saúde física. A sociedade angolana deve estar unida em busca da melhor abordagem possível para diminuir os casos de doentes mentais sem tratamento, motivados pelo elevado estigma e informação limitada”, referiu.
Por isso, o director em exercício do Hospital Psiquiátrico considerou fundamental haver uma mudança nos hábitos e costumes, como a prática regular de actividades físicas, manter uma dieta alimentar equilibrada e prestar atenção aos aspectos que contribuem para a estabilidade da saúde mental.“Que sociedade teremos daqui para frente se a maior parte da juventude estiver incapacitada?”, questionou.
Salientou que o Hospital Psiquiátrico da Huíla tem recebido pacientes provenientes de vários pontos do país, com realce para as províncias da Huíla, Namibe, Cunene, Cuando Cubango, Benguela, Huambo e Bié.
A nível da província da Huíla os municípios com maior número de casos são Lubango, Matala, Quipungo, Chibia e Humpata. Enquanto a nível do Lubango os bairros do Chioco, Mitcha, Bula Matadi, João de Almeida, Ferrovia, Santo António e as comunas da Arimba e da Huíla se destacam em número de doentes mentais.
Abandono de pacientes
Neste momento, avançou Idezibal Aldino, o Hospital Psiquiátrico da Huíla conta com 85 doentes mentais internados, dos quais 50 foram abandonados pelos seus familiares, situação que preocupa a classe médica, pelo facto da família desempenhar um papel funda-mental na recuperação dos pacientes.
“O abandono de doentes a nível do hospital e nas ruas da cidade do Lubango ainda constitui uma realidade que precisa de uma luta conjunta. Para ter uma ideia, dos 85 doentes internados, 50 estão na condição de abandonados”, lamentou.
Segundo o especialista, a situação de abandono de doentes mentais deve-se ao elevado estigma e desinformação a nível das comunidades, daí muitas famílias furtarem-se das suas responsabilidades no processo de tratamento.
“O tratamento de um doente mental exige uma intervenção multidisciplinar, na qual a família é o elemento preponderante. O doente não pode viver no hospital”, preveniu.
Para além do abandono de pacientes, o director em exercício do Hospital Psiquiátrico da província da Huíla alertou à sociedade angolana em relação à necessidade de controlo dos níveis de ansiedade, pelo facto de poder afectar a saúde mental.
“A ansiedade constitui uma resposta natural que o corpo emite ao stress. Ela por si só não constitui uma doença, mas quando em níveis elevados, evolui para transtorno de ansiedade, uma doença que precisa ser tratada com uma abordagem técnica de modo a salvaguardar a integridade do indivíduo. A ansiedade pode evoluir para depressão e comportamentos suicidas, por isso não deve ser ignorada”, alertou.
Pressão profissional
De acordo com o mestre em Psicologia da Saúde, Idezibal Aldino, todos os profissionais submetidos a elevados níveis de pressão e stress podem desenvolver transtornos de ansiedade, sejam eles professores, jornalistas, polícias ou mesmo os próprios técnicos de saúde.
Em função da situação, o Hospital Psiquiátrico realizoupalestras nos municípios da Chibia e Matala sobre a síndrome de Burnout (esgotamento profissional).
“Muitas vezes exige-se um conjunto de resultados a um funcionário que se encontra triste, desanimado ou esgotado. O gestor não leva em consideração os aspectos emocionais e, como resultado, tem objectivos não cumpridos aos quais reage com processos disciplinares contra o funcionário que apenas necessita de ajuda para ultrapassar a situação que vive”, referiu.
Fruto das campanhas de sensibilização e palestras promovidas pelo referido hospital junto das comunidades, foram atendidos em média 70 pacientes por dia nos últimos três anos, quando anteriormente eram recebidos de 10 a 15 doentes/dia.
De salientar que o Hospital Psiquiátrico da Huíla conta com um quadro constituído por 124 profissionais distintos, dos quais cinco médicos nacionais, igual número de psicólogos e uma psiquiatra cubana, números considerados ínfimos para atender a demanda.O atendimento é gratuito, desde as consultas, análises laboratoriais e medicamentos, para além da alimentação dos internados. Está em fase de conclusão um bloco de internamento com capacidade para 90 pacientes. Quando estiver concluído e apetrechado o hospital terá capacidade geral para 180 internos e poderá acomodar melhor os doentes por género. O novo bloco de internamento está a ser construído no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM). Visão do prelado católico
O pároco da Nossa Senhora da Muxima-Toco no Lubango, padre Américo Jeremias, considerou que a fraca atenção da sociedade angolana ao problema da saúde mental deve-se à inexistência de uma educação de base.
“Infelizmente, 99 por cento dos problemas sociais de Angola devem-se à carência de educação financeira, social, familiar, educação e ensino, educação e aprendizagem. Temos que parar de fazer tantas outras coisas e tratar da educação desde a tenra idade, depois tudo o resto se resolve. Sinto que se tenta fingir que o problema da saúde mental não existe e ele se agudiza”, frisou.
Segundo o prelado católico, a preocupação não deve recair apenas nos doentes internados nas psiquiatrias do país, que, por algum engano, em troca de riqueza foram receber feitiço, mas também, naqueles que estão bem posicionados, usam fato e gravata, mas têm uma cabeça vazia, porque não possuem comprometimento, nem sentido de responsabilidade.
“Neste conjunto de problemas sociais culpa-se as famílias de serem o elo mais fraco, mas esquecemos que não existe educação para a família, o que pressupõe a ausência de uma base educacional que deixa a família sem alicerce”, referiu.
Aos jovens, o padre Américo Jeremias aconselhou a terem calma, a serem firmes e resilientes atendendo ao processo da vida, com seus altos e baixos. “Acima de tudo, os jovens devem ser resilientes, porque a vida tem altos e baixos. Não se pode querer tudo, na medida em que, se uns têm hoje é porque trabalharam, esforçaram-se e dedicaram-se”, disse.