A CRÔNICA DA JORNALISTA ROSSANA MIRANDA: NOVA ESTRELA DO ROCK & ROLL
UM NOVO CONTRATO SOCIAL PARA A EDUCAÇÃO EM ANGOLA
Desde a independência, há 47 anos, o país tem experimentado, de forma negligente, modelos para a educação da sua população. Na realidade, por várias razões, não foi ainda possível criar um modelo eficiente. Durante décadas, Angola tem figurado na cauda das listas sobre os sucessos educativos realizadas por organizações internacionais, como por exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
As razões para tal atraso, além da guerra, prenderam-se com a corrupção e a falta de sentido estratégico que dominaram o Ministério da Educação durante vários anos, sobretudo a seguir à paz de 2002, não permitindo que o país arrancasse na área da educação e, em vez disso, colocando o enfoque no dinheiro fácil e nas negociatas paralelas.
Contudo, nos últimos anos o discurso mudou, tal como a sensibilidade da actual ministra, que tenta olhar para a educação numa perspectiva estratégica. Como em muitas áreas, notam-se alguns tímidos progressos. Nesse sentido, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento assinala alguma evolução, embora subsista um enorme diferencial entre as proclamações legais e políticas e a realidade.
Por exemplo, no ano de 2019, esperava-se que cada estudante frequentasse 11,8 anos de ensino, mas a média real de frequência era de apenas 5,2 anos, menos de metade. Por sua vez, em 2021, nenhuma universidade do país estava entre as 300 melhores de África, nos termos dos rankings publicados, sendo a Universidade Agostinho Neto a mais bem colocada, em 321.º lugar.
Não vamos entrar na discussão doutrinal se é a educação que gera o crescimento económico ou se é este que fomenta a educação, criando um ciclo virtuoso de crescimento e educação. Para existir um crescimento sustentável, tem de haver uma população instruída. Nessa medida, para tornar Angola um país de progresso é preciso garantir a educação do seu povo. Precisamos, portanto, de um novo contrato social para a educação, que possa reparar as injustiças enquanto transforma o futuro em Angola.
Na azáfama de se manterem ou de conquistarem o poder, os partidos políticos negligenciam, e às vezes pisoteiam, a missão urgente de estabelecer uma união de propósitos e vontades com vista à materialização do bem comum para Angola e os angolanos.
O ponto de partida deste artigo é precisamente um apelo para que tenhamos uma visão compartilhada dos propósitos públicos da educação. O novo contrato social para a educação deve unir os cidadãos em torno de esforços colectivos. Deve promover e partilhar o conhecimento e a inovação necessários para delinear um futuro sustentável e pacífico para todos os angolanos, fundamentado na justiça social, económica e ambiental. Além disso, esse contrato deve defender o papel desempenhado pelos professores.
A educação nos manifestos eleitorais
A importância da educação encontra-se expressa nos programas dos partidos políticos para estas eleições. Quer a UNITA, quer o MPLA – os únicos contendores reais ao poder – apresentam largos capítulos sobre o tema e aprestam-se a anunciar um novo mundo nesta área (programa da UNITA, pp. 9, 43 e 44; programa do MPLA, pp. 36-39). As visões, os princípios e as propostas aqui apresentados são apenas um ponto de partida. É necessário, num esforço colectivo, traduzi-los e contextualizá-los para abrir um diálogo capaz de gerar um contrato social sobre a educação.
Curiosamente, como se verá no quadro abaixo, as propostas de ambos os partidos não são muito diferentes. Ambos querem colocar a educação angolana entre as melhores de África. A megalomania que caracteriza a classe política não permite ambições mais modestas baseadas nas necessidades elementares da população, como o acesso a uma educação pública de qualidade para os seus filhos. Ambos os partidos querem que o país sobressaia nos rankings africanos sem estabelecem metas. O MPLA e a UNITA pretendem dignificar e capacitar os professores, promover a educação digital, vocacionar os estudantes para as ciências exactas, matemáticas e tecnologias e antevêem uma reforma curricular.
Quadro n.º 1- Comparação dos programas de Educação UNITA e MPLA
UNITA | MPLA | |
OBJECTIVO GERAL | Patamar educativo de Angola terá que passar a estar entre os melhores do ranking africano | Angolanos tenham acesso a um ensino de maior qualidade e rigor alcançando melhores resultados na aprendizagem, com reflexo em pontuações mais elevadas na componente de educação do Índice de Capital Humano do Banco Mundial |
PAPEL PROFESSOR | Valorização social do professor | Capacitar o professor |
EDUCAÇÃO DIGITAL | Sim | Sim |
RANKING ÁFRICA | Colocar entre os melhores | Colocar entre os melhores |
PRIORIDADE STEM/C.EXACTAS | Sim | Sim |
AVALIAÇÃO PROFESSORES | Não | Sim |
REFORMA CURRICULAR | Sim | Sim |
O Maka Angola consultou vários especialistas do sector para analisar os programas e as acções dos partidos na área da educação. Alguns afirmam que o MPLA propõe iniciativas credíveis e concretizáveis nos próximos cinco anos, nomeadamente a expansão do acesso e a criação de oportunidades de sucesso em todos os níveis de ensino, o aumento da cobertura de rede escolar obrigatória (até à 9.ª classe). Falam também das propostas de modernização das escolas existentes, além da prioridade a atribuir à conclusão das escolas inacabadas. Referem a promessa de melhoria da formação inicial e contínua dos professores, a capacitação dos recursos humanos técnicos e de alto nível, aumentando o número de professores especializados no ensino primário e secundário. O reforço da educação artística e a avaliação dos professores são as propostas em que o MPLA se distingue da UNITA. Também é considerada como realista a proposta do MPLA para reduzir o número de crianças fora do sistema de ensino e, finalmente, uma nova revisão curricular no subsistema de ensino geral.
Quanto ao programa da UNITA, considera-se que o compromisso II, de “Melhoria do ensino geral e técnico profissional”, dá a impressão de se pretender mudar ou alterar todo o sistema ou subsistemas de educação. A partir do objectivo proposto, o programa da UNITA é demasiado amplo para ser cumprido em cinco anos, o que representaria um retrocesso quanto a algumas conquistas já alcançadas.
No entanto, outros especialistas em ciências da educação contactados pelo Maka Angola preferem referir que os programas são extremamente parecidos, divergindo apenas no pormenor. Para este grupo, as propostas para a educação do MPLA apresentam alguma especificidade, derivada do facto de serem feitas por pessoas que estão no terreno, enquanto a UNITA tem um maior enquadramento teórico e tenta adoptar uma visão holística.
O problema essencial em Angola, presentemente, não são as intenções, que são boas e bem desenhadas, mas a capacidade de realização e de execução, bem como a competência dos quadros. Por isso é que há um enorme diferencial entre lei e realidade.
Contrato social precisa-se
Precisamos de um novo contrato social para a educação, independentemente do partido vencedor nestas eleições, com vista a reconstruir as relações de cidadania, de compromisso com a nação, com as novas tecnologias e com o planeta.
- Assegurar o direito à educação de qualidade ao longo da vida. Conforme estabelecido no Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à educação deve continuar a ser a base do novo contrato social para a educação e deve ainda ser ampliado para incluir o direito à educação de qualidade ao longo da vida. Nele se deve incluir o direito à informação, à cultura e à ciência, bem como o direito ao acesso a e à contribuição para os conhecimentos comuns, os acervos de conhecimento colectivo da humanidade que foram acumulados ao longo de gerações e que estão em contínua transformação.
- Fortalecer a educação como um esforço público e um bem comum. Como um esforço social compartilhado, a educação constrói propósitos comuns e permite que indivíduos e comunidades floresçam juntos. Um novo contrato social para a educação deve garantir o financiamento público para o sector e incluir um compromisso de toda a sociedade para que todos participem das discussões públicas sobre a educação. Essa ênfase na participação é o que fortalece a educação como um bem comum: uma forma de bem-estar compartilhado que é escolhida e alcançada em conjunto.
No Maka Angola temos ao longo dos anos procedido à reflexão aturada sobre o que é necessário para reformar a educação em Angola e lançá-la para um patamar de prestígio e suporte da prosperidade do país. Esta reflexão-acção baseia-se no direito à educação de qualidade ao longo da vida, abraçando o ensino e a aprendizagem como esforços sociais compartilhados e, portanto, bens comuns.
O respeito pelos direitos humanos e a preocupação com a educação como um bem comum devem ser as linhas-mestras da acção do governo e do seu compromisso com a sociedade.
Em particular, deve ser analisado o futuro das seguintes questões temáticas relevantes: sustentabilidade; conhecimento; aprendizagem; professores e ensino; trabalho, capacidades e competências; cidadania; democracia e inclusão social; educação pública; ensino superior, pesquisa e inovação.
Dez propostas
É preciso determinar prioridades e apostar em primeiro lugar naquilo que é mais urgente e/ou importante. É impossível fazer tudo em simultâneo. Nesse sentido, como já fizemos em relação à justiça e à economia, apresentamos de seguida as dez propostas do Maka Angola para o futuro da educação no País:
1. Investir prioritariamente e massivamente no ensino básico, com ênfase na reforma dos currículos e da formação dos professores, para garantir que todas as crianças frequentem esse grau de ensino e aprendam.
2. Em ligação com o primeiro item, promover a integração das aprendizagens do ensino básico em línguas nacionais, de forma que nenhuma criança fique de fora por não dominar a língua portuguesa. A promoção das línguas nacionais deve figurar numa visão humanista da educação e do desenvolvimento com base na dignidade humana, na justiça e inclusão sociais, bem como na protecção da diversidade cultural e etnolinguística do país.
3. Escolha assumida de duas universidades para que figurem como os principais centros de pesquisa e produção científica sobre a educação no país, de modo a contribuírem, com o saber local, para a formulação de melhores políticas públicas no sector. É o que se pode fazer em cinco anos com qualidade sustentável. Essas duas universidades serão objecto de um programa especial de investimento e qualificação.
4. Criação de quadro supranumerário de professores de ensino básico recrutado de entre licenciados desempregados e garantia de formação actualizada para que fiquem aptos a ir para as escolas no terreno.
5. Autonomia científica e pedagógica das escolas, através da formação profissional do gestor escolar, de modo que possam perseguir os objectivos.
6. Desenvolvimento e aplicação de um sistema de avaliação eficaz da implementação das políticas educacionais, que informe os formuladores de políticas públicas e a formação docente inicial e continuada.
7. Criação nas zonas rurais de corpos de voluntários-explicadores que complementem o trabalho dos professores.
8. Estruturação digna de uma via de ensino de cariz técnico-profissional e artes e ofícios.
9. Programa de doutoramentos no estrangeiro com obrigação de retorno a Angola para ensino e investigação.
10. Criação de um grande laboratório científico que concentre a investigação avançada do país sobre a educação primária. É preciso investigar para reformar e mudar.
Conclusão
Apesar da necessidade urgente de agir e das condições de grande incerteza, a forma como a mentalidade social mudou nos últimos cinco anos dá motivos de esperança aos angolanos, que são cada vez mais exigentes na busca do bem comum.
Hoje, como em nenhum outro momento da história da humanidade, há um amplo acesso ao conhecimento e às ferramentas que permitem, com boas políticas públicas e bons governantes, a colaboração de toda a sociedade para o desenvolvimento de um futuro melhor. A lista de sugestões aqui apresentada não está fechada. Trata-se de um mero contributo para que os cidadãos reflictam de forma mais estruturada sobre esse tema prioritário que é a educação. Serve ainda de convite à discussão para uma Angola mais democrática. A educação, formal e informal, é a chave para o progresso.
Fonte: makaangola.org