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A HISTÓRIA DE VIDA DO JORNALISTA AUGUSTO ALFREDO
A mão do escolta ajudou no início da carreira – Augusto Alfredo
Sua história de vida mostra um percurso de muita luta e sacrifício de alguém que nasceu no campo e galgou a escola da vida, passando pela encenação teatral, educação, universidades, academia militar e o jornalismo.
Augusto Alfredo Lourenço encerra um percurso interessante que chegou ao jornalismo pela mão “casual” de um escolta do então titular do Ministério da Comunicação Social, que lhe abriu as portas do “Jornal de Angola”, onde teve a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos na universidade.
Autor de algumas obras literárias, Augusto Alfredo nasceu aos três de Março de 1963 na localidade do Pange-Boa Entrada, município do Amboim, de pais naturais de Novo Redondo, hoje Sumbe, a capital da província do Cuanza Sul.
Eis a entrevista:
P- Como entrou para o Jornalismo?
A.A.- Pouca gente sabe, aliás, os jornalistas raramente falam de si. Por isso, acho oportuno iluminar o meu percurso para acautelar os passos errantes de eventuais desavisados. Entrei para o jornalismo por conjugação de múltiplas circunstâncias que acabaram por me aproximar da profissão. Primeiro, quando em 1981, já como militar das FAPLA, fui colocado na Direcção Política da Marinha de Guerra Popular de Angola. Todas as manhãs, saía do Comando da Marinha para buscar jornais que distribuía para os membros do Comando do Ramo. Esse facto é bastante relevante, já que passei a ter acesso directo aos jornais. Segundo, por ter frequentado a Escola Político Militar Comandante Jika, instituição onde se forjaram os comissários políticos, cuja missão era a educação patriótica e moral dos efectivos.
Portanto, foi outra actividade que me aproximou ainda mais do jornalismo. Foi assim que, em 1994, fui escolhido pela direcção da Marinha para frequentar o curso de Comunicação Social, na Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais Brasil. Quatro anos depois conclui o curso de jornalismo, contudo tive que regressar logo ao país mesmo sem ter o diploma em mãos pelo facto de minha filha primogénita ter sido atropelada mortalmente. Esse facto, por si só, foi marcante para a minha carreira. Chegado ao país, fiquei parado em casa sem qualquer actividade. Foi horrível, gerir o vazio do quarto deixado pela filha, facto agravado pela ociosidade. Para quem estava acostumado aos desassossegos que proporcionam os desafios, a ociosidade era angustiante.
P- Quais são os profissionais que o inspiram ou o inspiraram no jornalismo?
A.A.- Tive várias fontes de inspiração. Primeiro, meus pais, em particular, e o povo da minha aldeia, em geral, que adoravam contar histórias e estórias de suas vivências e experiências. Segundo, a leitura regular de revistas Selecções do Reader’s Digest e fotonovelas brasileiras, que o senhor Amaral Gourgel, nosso vizinho no bairro Pange, era assinante. Por exemplo, foi através dessas revistas que tomei conhecimento da crise dos mísseis de Cuba, em 1962, e do abate, em 1960, do avião espião americano U2, pelas Forças Armadas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E nunca mais me esqueci desses acontecimentos. Depois da independência, a leitura de obras de escritores angolanos: “Sagrada Esperança”, de Agostinho Neto; “Aventuras de Ngunga” e “Maiombe”, de Pepetela, “Mestre Tamoda” e “Bola de feitiço”, de Uanhenga Xito), e de africanos como “Um passeio na noite”, de Alexi La Guma; “Quando tudo se desmorona”, de Chinua Achebe; “Tribalices”, de Henri Lopes; “Pétalas de Sangue”, de Mgugi Wa Thiongo, etc.
P- Em que órgãos de comunicação já trabalhou?
A.A.- Tive passagem efémera pelo programa “Em cena”, da TPA, mas foi um guarda quem abriu, para mim, as portas do Jornal de Angola. É um facto curioso: num domingo, passeava pelo mercado de artesanato do Benfica, quando, devido ao meu sotaque abrasileirado, um indivíduo confundiu-me com um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Foi aí que esse indivíduo, que era guarda na residência do então ministro da Comunicação Social, Hendrik Vall Neto, ajudou a salvar a minha vida, levando-me ao seu patrão.
Depois do encontro com o Ministro Hendrik Vaal Neto, fui encaminhado para o “Jornal de Angola”, onde fui recebido pelo jornalista e escritor Luís Fernando, na altura Director Geral daquele órgão. Fui submetido a um teste e depois encaminhado para a Editoria Política. Comecei como simples repórter e cheguei a editor de Economia. Meu Deus! Hoje eu queria rever meu “anjo da guarda” para manifestar minha eterna gratidão… O “Jornal de Angola” foi o órgão onde me forjei pondo em prática todos os conhecimentos adquiridos na faculdade. Foram seis anos inesquecíveis! Depois de sair do “Jornal de Angola”, colaborei como cronista no jornal “O país”. Nesse momento não exerço a profissão. Queria ao menos colaborar como articulista. Mas não é fácil! Talvez tenha de procurar “meu anjo da guarda” para voltar a exercer jornalismo (risos).
P- Seu estado civil e filhos?
A.A.- Sou casado e tenho nove filhos.
P- Que religião professa ou é ateu?
A.A.- Sou católico.
P- Seus defeitos e virtudes?
A.A.- Sou uma pessoa simples e dialogante. Não suporto a injustiça, a arrogância nem o cinismo com que alguns tratam os seus semelhantes. Por mim, todos devem ser tratados com dignidade e equidade. Aliás, antes que a lápide abrevie a expressão do sentimento, devo dizer que toda luta é pela dignidade.
P- Que género de música gosta? Cite alguns nomes de músicos predilectos?
P- Sou bastante ecléctico. Dependendo do momento, ouço música clássica, morna, semba, samba, românticas, bolero e música tradicional. Sou apaixonado pela música africana. Se tiver que escolher entre músicos angolanos apontaria Valdemar Bastos, Paulo Flores, Teta Lando, David Zé, Urbano de Castro e Artur Nunes. Quanto aos africanos escolheria Mano Dibangu, Cesária Évora, Salif Keita, Youssou N’duor e Ismael Lo.
P- Filme e novela que gosta de ver?
A.A.- Elejo o filme “Rei Édipo”, adaptação da peça de Sófocles, e a novela “Roque Santeiro”, adaptação da peça de Dias Gomes.
P- Prato típico preferido? Nos momentos livres o que gosta de fazer?
A.A.- Adoro funge de milho com feijão ou calulu de peixe seco. Nas horas livres adoro ler, passear, ouvir estórias e visitar familiares.
P- Gosta de leitura? E se gosta qual é o último livro que leu ou ainda lê? Já agora, que escritor mais gosta de ler?
A.A.- A minha leitura é diversificada e vai desde livros de Jornalismo, Comunicação Social, Relações Internacionais, Geopolítica, Geoestratégia, Estratégia, História, Antropologia e ficção. Neste momento estou a reler “Meu Primeiro Golpe de Estado e outras histórias reais das décadas perdidas da África” do ganês John Dramani Mahama.
P- Quais são as figuras nacional e internacional que mais admira?
A.A.- Agostinho Neto e Mandela, pela sua entrega desinteressada aos ideais da libertação da humanidade.
P- Sonho que tem para Angola?
A.A.- A construção de uma sociedade que seja livre e em que se respeite o outro, independentemente das suas convicções políticas, culturais ou religiosas. Olha, desde criança sempre sonhei ser garçon, porque queria colocar-me à disposição do outro, para servi-lo. É assim, que depois de 25 de Abril de 1974, me predispus a ir à base do MPLA no bairro Aricanga, na Gabela, para buscar a bandeira desse movimento que foi depois hasteada no Pange. Desde 1974 até hoje lutei e luto humildemente. Instalei a Base da OPA, no Pange, e mais tarde da JMPLA no Bairro Má-Língua. Aquela bandeira hasteada na entrada do bairro, a primeira, foi levada por mim. Hoje pouca gente se lembra disso! Por isso, servir é minha divisa, quer como professor, como funcionário público, quer como militar ou jornalista. Nada para mim faz sentido, se não for colocado a serviço do outro ou da colectividade. Este será o meu modesto legado. Fico onde sou útil. Tenho horror a inutilidade.
P- Que actividades desenvolveu antes de ser jornalista?
A.A.- Muitas e diversificadas. Tive um percurso bastante sinuoso. Com a fuga dos colonos, meu pai, que era agricultor e caçador, deixou de comercializar café, algodão e de caçar. A situação económica e social da nossa família havia-se deteriorado vertiginosamente. Começamos a passar grandes dificuldades. Por essa razão, em 1976, com 13 anos, comecei por trabalhar como aprendiz de mecânica de motociclos, na Gabela. Nessa altura, todos os meus irmãos mais velhos já tinham partido para a guerra, eu era o filho mais velho, por isso queria ajudar meu pai no sustento da família!
Porém, meu pai ficou triste ao me ver todo sujo de óleo de motores, estendendo-lhe a mão com os 20 escudos, produto da primeira semana de trabalho. Devolveu o dinheiro e com voz embargada pediu que eu voltasse à escola. Peguei no dinheiro e fui comprar um saco de pão para alimentar meus irmãos. Apenas quis ajudar. Foi assim que voltei à escola. Depois de concluir a 6ª classe na Escola do II e III níveis da Gabela, frequentei o curso acelerado de professores no Sumbe, em 1979. No ano seguinte, ingressei na Delegação Provincial de Finanças do Cuanza Sul. Em 1981, quando completei 18 anos de idade fui convocado para o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório nas FAPLA.
Em comissão de serviço, exerci a função de Comissário Político Municipal da ODP do Chitato, Lunda-Norte. Já fui professor de Matemática na Escola do II nível da Ilha de Luanda e na Escola Heróis de Cangamba, no município da Samba. Mais tarde, actor no Grupo de Teatro Divulgação (Brasil-Minas Gerais) e também na Radionovela Camatondo, emitida pela Rádio Nacional de Angola. Também fui realizador e apresentador do programa radiofónico “Voz da África”, na Rádio Universitária da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil), e mais tarde na Rádio Comunitária MEGA FM 90,7, no bairro Santa Cândida, em Juiz de Fora.
P- Que cidade gosta em Angola e no estrangeiro?
A.A.- Gabela, em Angola, e Juiz de Fora, em Minas Gerais – Brasil. Deviam ser cidades siamesas, pois amo as duas. A agitação e o dessassossego das grandes cidades me atormentam. Por esse motivo, prefiro lugares pacatos.
P- Qual é a sua formação académica?
A.A.- Sou mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília e bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Também fiz formação superior de Comando e Direcção na Escola Superior de Guerra, bem como de Auditor de Defesa Nacional, pelo Instituto de Defesa Nacional de Lisboa, o curso de Dramaturgia, pelo Centro de Estudos Teatrais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e o curso médio Político-Militar na Escola Comandante Jika.
P- Na sua carreira como jornalista ainda sonha entrevistar alguma individualidade nacional e internacional?
A.A.- Neste momento não exerço jornalismo, pelo facto de ser militar no activo. No entanto, sonho, quando terminar minha carreira, voltar a trabalhar como repórter num órgão qualquer. Os repórteres não envelhecem (risos)… Por isso, anseio voltar para percorrer esse belo país de lés-a-lés, ouvir as histórias e mitos das pessoas simples em lugares recônditos e captar a mornês e os lilases do ocaso.
P- Qual foi a entrevista que mais o marcou?
A.A.- No âmbito das celebrações do início da Luta Armada de Libertação de Angola, entrevistei o antigo guerrilheiro do MPLA, Artur Vidal Gomes “Kumbi Diezabu”, que depois da independência fora Ministro da Agricultura e mais tarde Comissário Provincial do Zaire. Exonerado deste último cargo, ficou desempregado, perdeu a casa onde morava no bairro Alvalade e para sobreviver teve de fazer táxi.
Eu o conhecera em 1980, no Sumbe, antigo Novo Redondo. Na altura, era director do complexo agro-pecuário da Cela-Wako Kungo. Baixo e forte, ele usava botas de cano alto. Parecia personagem de um filme. Tinha cabelos à Jimi Hendrix e barba cercando o rosto. Eu e a fotógrafa Maria Augusta chegamos à casa e aguardamos ansiosos pelo entrevistado. Meu espanto foi revê-lo: locomovia-se graças à ajuda de um par de canadianas, tinha o cabelo todo branco e exprimia-se com muitas dificuldades. Havia sofrido uma trombose.
Não obstante o esforço da esposa, a senhora Fernanda Luísa Gomes, as dificuldades de comunicação eram consideráveis, mas no final tudo correu bem. Ele e a família ficaram felizes pelo trabalho realizado. Facto este que justificou a inclusão do texto no livro “Inquietaçoes do Jornalismo” financiado pelo Jornal de Angola.
P- Gosta de desporto? Se gosta torce para quais equipas em Angola e no estrangeiro?
A.A.- Sempre torci pelo 1º de Agosto e pelas selecções nacionais.
P- Que obras tem publicadas ou por publicar?
A.A.- Publicados estão os livros “Inquietações do Jornalismo” (Luanda, 2005), “Memórias Precoces-Luanda Gabela, uma viagem de 30 anos” (2005), “Aventura de estudante angolano no estrangeiro. Crónicas de uma viagem ao desconhecido” (Lisboa, 2010) e “Memórias de um repórter” (Brasília, 2017). No prelo estão “Marcas culturais da telenovela brasileira nos mercados de Luanda” e
“Jornalismo sem máscaras”.
Luanda, aos 25 de Julho de 2022
Propriedade: Jornalistas da Semana em Angola.
Registada no MINTTICS Sob o número MINTTICS-797/B/2016.
Todos direitos autorais desta publicação são reservados à página oficial dos Jornalistas de Angola.
Joaquim Kapawa Kim, Sandra Idalina Correia Rodrigues, Horzi Coimbra HC, Rosalina Abias Abias, Bengui Sauca, Fonseca Bengui, Patricia Faria, Aninhas Moçambique Vieira, Carla Pena, Rufino Coia, Carlos Domingos Francisco, José Carlos De Almeida, José Diogo De Belém, Jose Quissanga, Soba Tchokwe, Raimundo Salvador, Rui Filipe Ramos, António Chocolath Mv, Rui Mangovo, Danira D’oliveira, Peres Sasuku, Marlene Messele, Ana Wandi Delfino, Anastácio Ruben Sicato, Fernando Guelengue, Agostinho Gayeta, Manuel Pedro Quizembo, Manuel Gonçalves, Manuel Augusto, Past Hedy Panzo, Sebastião Panzo Panzo, Amadeu Cassinda, Wylsony Dos Santos, Salas Neto, Salambende Mucari, Carlos Manuel Escórcio Pacavira, Luís Caetano, Luis Domingos, Luis Jimbo, Luis Fernando, Manuela Domingos, Manuel Fiel, Manuel Homem, Helena Djamila Djamila Falcao, Djalma Cacau, Jonas Nazareth, Joana Zunguila, Joana Clementina, Fernando Caristo Joao, João Assis Gonçalves Neto.
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