DESTRUIÇÃO DE MANGAIS PODE CAUSAR DANOS AMBIENTAIS NO SOYO
A destruição indiscriminada dos mangais, ecossistemas naturais, persiste em várias zonas, ao longo da orla costeira e dos braços do rio Zaire, no município do Soyo, província do Zaire. A prática, que ganhou nos últimos anos contornos preocupantes, pode, caso não seja travada, colocar em risco o ambiente e a biodiversidade na região, de acordo com os especialistas ouvidos pela nossa reportagem.
Apesar dos alertas que são feitos por pessoas entendidas na matéria, sobre as consequências ambientais que podem advir do abate dos mangais, os autores desta prática continuam a devastar, à luz do dia, vastos perímetros para construção de moradias e empreendimentos económicos.
O Jornal de Angola constatou que muitos dos locais com mangais tornaram-se, também, o destino final de entulhos e esgotos, estando sujeitos à poluição de resíduos sólidos, líquidos nocivos, entre outros químicos, pondo em perigo várias espécies existentes nestes lugares.
A região tem registado elevadas temperaturas fora de época e as chuvas são irregulares. Os ambientalistas afirmam que estas alterações podem ser consequência do derrube dos mangais.
A antiga vila “Santo António” do Zaire é como que uma Ilha, por estar circundada pelo mar e pelos vários braços do imponente rio Zaire, pelo que a ausência dos mangais tem aumentado os riscos da ocorrência de inundações, já que a vegetação serve de barreira às águas.
Dados científicos indicam que os mangais são considerados “ecossistemas de carbono azul”, bem como ervas marinhas e pântanos de sal, porque são dez vezes mais eficientes em absorver e armazenar grandes quantidades de carbono a longo tempo, em comparação com ecossistemas terrestres. Esta particularidade, torna-os essenciais para o combate às mudanças climáticas.
Além disso, a vegetação formada pelos mangais desempenha um papel muito importante na manutenção do clima, permitindo a purificação do ar que se respira. Por esta razão, o ambientalista João Alberto condenou o comportamento das pessoas que, mesmo sabendo das consequências desta prática, destroem sistematicamente os mangais, que, como frisou, proporcionam inúmeros benefícios para a vida humana e de outras espécies, com destaque para os ecológicos e económicos.
Entre os benefícios, acrescentou, está o facto de os mangais servirem de locais de reprodução para milhares de espécies marinhas, funcionando como um berçário. O interlocutor indicou, ainda, que os mangais providenciam, também, protecção e alimentos para peixes e diversos invertebrados como crustáceos e moluscos.
“Os sistemas de raízes dos mangais ajudam a estabilizar o solo, prevenindo a erosão nas linhas costeiras. Os mangais funcionam como amortecedores costeiros naturais contra tempestades e calemas, bem como diminuem as probabilidades de inundações. Ajudam a manter a qualidade da água e a sua claridade, filtrando poluentes e prendendo sedimentos provenientes da costa”, disse João Alberto.
Sublinhou que os mangais garantem, ainda, suporte e protecção a muitas espécies em risco de extinção, como tartarugas, manatins e algumas aves.
Ouvidos pela nossa reportagem, alguns munícipes consideraram que o crescente abate dos mangais contraria o desafio ambiental assumido por Angola durante o Workshop Internacional sobre “Zonas Húmidas de Importância Internacional”, realizado em Fevereiro de 2021, em que participou, por videoconferência, o Vice-Presidente da República cessante, Bornito de Sousa. Na ocasião, o governante anunciou um programa de reflorestação, no país, de um milhão de mangues.
O fórum teve como objectivos consciencializar e sensibilizar as populações sobre a necessidade de protecção das zonas húmidas, com vista à preservação das espécies nos seus habitats. Fruto deste compromisso, vem-se assistindo, de há um tempo a esta parte, acções de reflorestação de algumas zonas a nível do município do Soyo.
É o caso da zona do Cadal, nos arredores da cidade petrolífera, onde os mangais devastados em consequência das obras de construção de uma nova estrada de acesso à Base do Kwanda (de apoio logístico às empresas petrolíferas) e de uma indústria pesqueira foram recentemente replantados, num trabalho conjunto entre o governo provincial e uma Organização Não Governamental (ONG), denominada “OTCHIVA”, que se dedica à protecção e conservação destes ecossistemas naturais.
Joaquim Cruz, 34 anos de idade, disse haver, ainda, muitas pessoas no seio da sociedade que desconhecem a importância da protecção e conservação destes ecossistemas naturais e do meio ambiente do modo geral.
“Penso que a atitude destas pessoas que destroem os mangais e outras zonas verdes resulta do facto de desconhecerem a importância da conservação do meio ambiente. Por isso, urge a necessidade de maior divulgação de conteúdos sobre educação am-biental, no sentido de se inverter este quadro”, notou.
O jovem, professor no Instituto Politécnico do Soyo, que administra cursos virados para a indústria petrolífera, lembrou, ainda, que qualquer acção do homem deve sempre ocorrer na óptica do equilíbrio com o meio em que está inserido, ou seja, não desenvolver actividades susceptíveis de causar uma alteração substancial da natureza para satisfazer as necessidades actuais, em prejuízo das gerações vindouras.
Já Celestina Paula, 30 anos, defendeu responsabilida-de criminal aos que praticarem actos lesivos ao meio ambiente, como é o caso da destruição dos mangais. “É preciso haver uma lei específica para que estas pessoas que danificam os ecossistemas possam ser exemplarmente sancionadas”, referiu.
ONG lamenta venda de terrenos nos mangais
Fazendo recurso às plataformas digitais, a nossa reportagem conversou, igualmente, com a ambientalista e coordenadora da ONG “OTCHIVA”, Fernanda Renée, a partir da capital do país, Luanda, sobre destruição destes ecossistemas que se assiste na região.
A ambientalista repudiou, em primeira instância, a venda de terrenos nos mangais, por parte de alguns gestores públicos, para a construção de infra-estruturas económicas e residências, resultando na sua destruição.
“Há muito que a OTCHIVA tem vindo a reivindicar contra a construção de infra-estruturas nos mangais, devido às catástrofes ambientais resultantes da destruição destes ecossistemas, como, por exemplo, a extinção de várias espécies de peixes, uma vez que os mangais são a maternidade da vida marinha, sendo que 70 por cento das espécies que o homem captura, reproduzem-se nestes ecossistemas”, disse.
Segundo ela, a organização não está contra o desenvolvimento económico, mas é preciso ter em conta a protecção e conservação dos ecossistemas. Revelou que o Soyo possui a maior zona de mangais em Angola, fruto da existência de cerca de 123 ilhotas com densas florestas, pelo que a sociedade local deve evidenciar maior responsabilidade no que tange à sua protecção.
“Antes da implementação da campanha de reflorestação de mangais no Zaire, a OTCHIVA realizou expedições científicas para fazer um levantamento das causas da degradação dos mangais na província, biodiversidade, isto é, fauna e a flora”, lembrou, acrescentando que a expedição científica permitiu a delimitação das acções de restauração dos ecossistemas da região, que, segundo ela, foram muito limitadas, devido à grande invasão de infra-estruturas construídas entre os mangais, como estradas portos e pontes.
Fernanda Renée fez saber que, no âmbito da campanha de reflorestação, foi possível plantar perto de 25 mil sementes de mangues a nível do município do Soyo.
Na tentativa de obter mais informações sobre as acções realizadas, a nível local, para pôr termo a esta e outras práticas danosas ao ambiente, procuramos contactar a Direcção Municipal para o Saneamento e Ambiente do Soyo, mas todos os esforços foram em vão.
ANGOP