Saturday Maio 18, 2024
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LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO: QUE FUTURO?

É curioso notar que um dos temas principais do mandato de João Lourenço, a luta contra a corrupção, não esteja a ocupar o palco da discussão política nesta campanha eleitoral. Isto não quer dizer que o assunto não tenha sido abordado, mas geralmente foi-o de forma superficial ou para servir de arremesso retórico.

E, no entanto, a luta contra a corrupção – ou, melhor expressando, a luta contra a captura do Estado por interesses privados egoístas – é o ponto-chave para garantir um progresso sustentado e que sirva todos os angolanos.

Há dois pontos de partida para uma análise da luta contra a corrupção que está a acontecer em Angola desde o final de 2017.

O primeiro, embora contestado por alguns comentadores, é que existiu efectivamente uma luta contra a corrupção. Não há dúvida de que houve um discurso político novo contra a impunidade, foram criadas leis mais sofisticadas, surgiram processos judiciais e, sobretudo, tornou-se presente uma nova sensação político-social anticorrupção. Actualmente, já não é motivo de orgulho saquear o Estado e há um certo medo de entrar em práticas corruptas. Não será perfeito, mas houve manifestos progressos.

Contudo, o segundo ponto é que esta luta efectiva contra a corrupção tem demorado a trazer resultados palpáveis. Se é um facto que existe, é um facto que, depois de arranques fulgurantes, tem-se perdido em labirintos mais ou menos insondáveis, levando a que se levantem dúvidas sobre a sua eficácia ou eficiência. Hoje, temos apenas duas figuras relevantes detidas no âmbito desses processos: Augusto Tomás e Carlos São Vicente, aliás, em resultado de decisões judiciais algo trapalhonas. Queria-se algo diferente.

Entendemos que os resultados contra a corrupção devem ser vistos segundo três parâmetros de sucesso:

i) A luta contra a corrupção deve originar em tempo útil condenações e absolvições relevantes com trânsito em julgado;

ii) Deve obter a recuperação efectiva de activos desviados;

iii) A população terá de sentir os benefícios da luta contra a corrupção.

Ora, o que parece é que apenas tem existido sucesso no item referente à recuperação de activos, onde são apresentados números razoáveis, sendo que ao nível de condenações/absolvições não há resultados significativos, o mesmo acontecendo ao nível dos benefícios sociopolíticos para a população.

Isto não quer dizer que se deva abandonar a luta contra a corrupção ou declarar uma amnistia geral – acabar tudo em pizza, como se dizia no Brasil.

É um imperativo patriótico continuar e aprofundar o combate contra a corrupção e a captura do Estado. Se tal não acontecer, a prosperidade e o progresso de Angola ficam novamente adiados.

Consequentemente, coloca-se a pergunta: qual o rumo que a luta contra a corrupção deve tomar após as eleições?

Como se referiu, não tem sentido – porque seria desistir e assumir o retorno ao passado – declarar uma amnistia geral. Muito provavelmente, isso acarretaria a queda do governo e a descrença da população nos políticos e nas lideranças. Seria um retrocesso histórico.

No entanto, também não é possível continuar o presente rumo de judicialização casuística de combate à corrupção. Num dia surge um processo, noutro dia outro; passada uma semana, um deles avança, o outro não avança; alguns dos intervenientes nem sequer são acusados, outros são ilibados, outros ainda ficam numa gaveta qualquer. No final, fica muito por fazer, e a ideia de que há selectividade prevalece.

O rumo tem de ser outro. Na Arábia Saudita foi. O príncipe herdeiro e governante de facto, Mohammed Bin Salman (MBS), um belo dia pegou nas elites dirigentes que considerava corruptas e fechou-as no Ritz-Carlton. Aparentemente, só saíram de lá depois de terem renunciado às fortunas que teriam acumulado de forma ilegal. Obviamente, esta também não é a solução para Angola.

A solução tem de ser sistémica. Tal significando que tem de haver um empenho do Estado em abranger o maior número possível de situações e em resolvê-las rapidamente com justiça.

Possivelmente, teria de se proceder a uma revisão constitucional e introduzir-se nova legislação para levar avante a proposta que vamos apresentar – o que, sem dúvida, valeria a pena.

Tratar a corrupção de forma sistémica implica criar uma comissão ou um organismo composto por magistrados, altos oficiais e peritos, dotado de poderes judiciais, que avaliasse com provas os vinte actos mais ruinosos para o país desde 2002.

Feita essa identificação dos vinte actos mais ruinosos e dos seus participantes mais activos, teria lugar um procedimento dividido em duas fases.

Numa primeira etapa, os principais alvos do trabalho da comissão seriam contactados para negociar um pacote sancionatório/reabilitante, do qual faria eventualmente parte um período em prisão e uma devolução de activos efectiva ou uma multa acompanhada da referida devolução.

Depois de aceite, esse pacote seria homologado por um juiz do Tribunal Supremo e a partir daí a pessoa visada voltaria a ter a sua vida normal sem mais processos, desde que cumprisse o acordado.

A segunda etapa só teria lugar para aqueles que não aceitassem o pacote sancionatório/reabilitante. Nesse caso, seriam julgados em tribunais com competência específica para estes temas e com um processo judicial justo, mas abreviado.

Espera-se que o tratamento rápido e simultâneo dos principais casos de corrupção transmitisse uma mensagem à sociedade e permitisse que os tribunais ordinários actuassem nos restantes casos menores. Ao mesmo tempo, ficaria criada uma estrutura judicial simplificada para tratar de todos os casos novos de grande corrupção.

Naturalmente, este sistema é inovador e seria próprio para Angola, seguindo alguns passos do Brasil, outros da África do Sul e ainda alguns dos Estados Unidos da América. Abandonaria qualquer ligação ao direito português, que não funciona nestas situações.

O fundamental é que se criaria uma fórmula sistémica e abrangente que tentativamente resolveria com celeridade os assuntos da grande corrupção/captura do Estado.

Não há fórmulas perfeitas, e com esta proposta pretendemos abrir uma discussão sobre os métodos que simultaneamente sejam mais justos e eficientes para lidar com a captura do Estado.

Fonte: makaangola.org

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