Friday Novembro 29, 2024
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O FUTURO DAS NACIONALIZAÇÕES DAS EMPRESAS

Tornou-se pública, na semana passada, a nacionalização das participações de Isabel dos Santos e do general Leopoldino do Nascimento na Unitel, bem como das de Sam Pa e seus associados na Sociedade Mineira da Catoca.

Do ponto de vista constitucional e legal, após a revisão em 2021 do artigo 37.º da Constituição e a subsequente aprovação da Lei da Apropriação Pública, Lei n.º 13/22, de 25 de Maio, não havia dúvida de que este era o caminho traçado, sobretudo tendo em conta a incapacidade atroz do poder judicial para levar avante com celeridade e eficiência o denominado combate à corrupção.

No entanto, como já escrevemos nestas colunas em Junho passado, a propósito da aprovação da Lei n.º 13/22 e dos variados mecanismos aí previstos, “sendo justificável, [a nacionalização] deveria ter um mecanismo de controlo e fiscalização sistémica para evitar abusos de poder e injustiças flagrantes. Temos aqui uma revolução legal que passou muito despercebida. Esperemos que seja para benefício do bem comum”. A questão é que estas nacionalizações concretas têm de ser sistemicamente enquadradas. Quer isto dizer que deve existir previsibilidade, caso contrário, cairemos na pura arbitrariedade.

Haverá certamente quem pergunte por que razão se nacionalizam participações em empresas anteriores à Constituição de 2010, à Lei da Probidade Pública e à Lei da Amnistia de 2016, sem haver sequer uma decisão judicial de primeira instância. Outros poderão especular acerca das possibilidades de nacionalização de partes portuguesas, até por reciprocidade face ao que aconteceu com a EFACEC e atendendo à intervenção de muitos portugueses nos actos de corrupção. Outros ainda poderão referir que a Geni (agora nacionalizada) também tem participação de António Van Dunem, que neste momento não é alvo de nenhum processo criminal.

Estas interrogações não invalidam a necessidade e adequação dos actos de nacionalização, mas exigem que o poder executivo crie um enquadramento operativo que explicite o tipo de situações criminais em que se deve proceder à nacionalização e aqueles em que não terá sentido fazê-lo. Num tema tão sensível como o direito de propriedade, tem de existir alguma previsibilidade.

Nos casos concretos aqui em apreço, as posições societárias já tinham sido objecto de medidas de conservação patrimonial (em linguagem simples, “congelamentos”) no âmbito de processos judiciais intermináveis. Portanto, a incapacidade judicial levou o poder executivo a tomar medidas mais drásticas, mas necessárias para evitar o vazio jurídico e factual que se prolongava.

Contudo, se o problema essencial não se coloca no acto de nacionalização em si – que aliás, em circunstância semelhante, já fora feito em Portugal relativamente à EFACEC – já quanto a todo o processo futuro após a nacionalização levantam-se sérias preocupações.

Recentemente, o jornalista Graça Campos observava que, com estas nacionalizações, o Estado, além da própria Unitel e da Sociedade Mineira da Catoca, passava a deter posições relevantes no Banco de Fomento de Angola (BFA). Assim, em conta as restantes participações bancárias públicas, o Estado tornou-se o “maior accionista de bancos comerciais em Angola”.

Evidentemente, do ponto de vista das políticas económicas estruturais, é paradoxal que um governo que se anuncia a favor dos mercados e das privatizações volte a deter largas fatias da economia. A perspectiva que se avizinha é que estes activos sejam, em devido tempo, reprivatizados, uma vez que a nacionalização não se dá por nenhuma opção de política económica estrutural, mas por razões judiciais, como se referiu. Assim se espera.

Além de ser necessário o Estado precaver-se face a uma eventual contestação jurídica às nacionalizações por parte dos afectados (Isabel dos Santos, general Leopoldino e Sam Pa) – o que, atendendo à forma como os tribunais estão a funcionar, pode criar receios de insegurança jurídica em relação a futuras privatizações —, é fundamental assegurar que o posterior processo de reprivatização cria mais-valias para a economia, e não se fica pela mera transmissão oligárquica de propriedade.

Vislumbram-se, assim, dois tipos de problemas futuros com as nacionalizações. O primeiro diz respeito ao próprio processo de nacionalização e às suas consequências, designadamente os efeitos que uma eventual impugnação do acto possa ter na gestão das participações e na criação de instabilidade, sobretudo se os tribunais demorarem tempo a decidir, e também à garantia de que as empresas continuam a ser devidamente geridas e capitalizadas. Note-se, a este propósito, que a EFACEC em Portugal entrou em colapso, sendo o governo incapaz de a privatizar ou de garantir a sua subsistência. Nada de semelhante deve acontecer em Angola.

O segundo problema, e aquele que nos parece mais importante e fundamental, é o do processo de reprivatização. As palavras em geral não representam a solução dos problemas – tudo depende do seu conteúdo efectivo. Pode haver privatizações com sucesso e privatizações desastrosas.

Por exemplo, as privatizações levadas a cabo na Grã-Bretanha na década de 1980 são consideradas um caso de sucesso, pois criaram empresas eficazes, promoveram o capitalismo popular, aumentaram o movimento na Bolsa de Valores, dinamizaram a economia.

Por outro lado, as privatizações que ocorreram a Rússia após a desagregação da União Soviética foram um descalabro. Tratou-se que mera transferência de activos da oligarquia do partido comunista para a nova oligarquia, dominada por antigos quadros do KGB (ou semelhantes). Aqui não houve criação de riqueza, mas uma rapacidade que levou à autocracia de Putin.

É evidente que este perigo existe. Aliás, a história antiga das privatizações em Angola tem mais semelhanças com o modelo soviético do que com qualquer outro.

Isto é, existe um perigo real de que a reprivatização da Unitel, da Catoca e da banca não sirva a economia, mas antes venha criar mais uma oligarquia improdutiva rentista que funcione em mercados protegidos e não acrescente nada ao país. Para afastar este perigo muito claro e concreto, não se pode utilizar o processo de reprivatização para fins que não sejam os da eficiência económica e da racionalidade de mercado, tendo em vista o interesse nacional.

Para evitar que a reprivatização das empresas agora nacionalizadas seja um mero ofertório político clientelar, haverá que tomar medidas eficientes a dois níveis: o nível dos destinatários da privatização e o nível da transparência dos procedimentos.

Ao nível dos destinatários da privatização, deve ser procurada diversidade, sem que nenhum grupo seja privilegiado. O melhor será fazer como temos defendido para a futura privatização parcial da Sonangol: criar três grupos separados de destinatários da privatização: os investidores estrangeiros, os investidores nacionais e os trabalhadores.

Deste modo, cada privatização englobaria três procedimentos distintos. O primeiro, talvez numa bolsa de valores internacional, dedicado a investidores estrangeiros; o segundo, a nível nacional, para investidores nacionais; e, finalmente, o terceiro para trabalhadores da empresa a privatizar. Alcançaríamos assim uma diversidade de accionistas e, tanto quanto possível, ficaria afastada a possibilidade de transferência directa para uma nova ou velha oligarquia.

Ao nível do processo, seria essencial existir transparência. Nessa medida, o organismo encarregado das privatizações deveria ser acompanhado e fiscalizado por entidades reguladoras terceiras, isentas e imparciais. Para tanto, propomos a instituição de uma fiscalização dupla, com um patamar nacional e outro internacional.

No patamar nacional, seria bom utilizar o contributo da sociedade civil, por exemplo, aquela que faz parte do Conselho Económico e Social de Angola (CES). Poderia ser criada uma secção de acompanhamento de privatizações no CES, que as fiscalizaria de forma autónoma. No patamar internacional, buscar-se-ia um banco de investimento estrangeiro ou uma consultora sem filiais nem interesses em Angola, de modo a afastar qualquer conflito de interesses. Se estes mecanismos forem devidamente accionados, é possível que as reprivatizações sejam feitas de forma racional e em benefício da economia. Caso contrário, estaremos, mais uma vez, a deitar tudo a perder.

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