DOM BELMIRO CHISSENGUETI: “MENTALIDADE FEITICISTA É UM ELEMENTO PERTURBADOR DO CASAMENTO”
O bispo da Diocese de Cabinda, Dom Belmiro Chissengueti, afirmou, quinta-feira, nesta cidade, que a mentalidade feiticista no seio das pessoas é um elemento perturbador do casamento, por criar pressão psicológica para quem não cumpre com os ditames da tradição.
O prelado católico, que dissertava o tema “o Casamento tradicional, civil e religioso: sua interligação na constituição da família”, na primeira Conferência Provincial sobre o Casamento Tradicional em Cabinda, realizada pela Secretaria da Cultura, referiu-se às duras penalizações para quem não cumpre com os ditames do casamento tradicional, para além do ostracismo que os dois vivem por sua conta e risco.
“A pior penalização para quem não casa segundo a tradição é de pagar multas pesadíssimas no caso da morte da mulher, devendo, nalguns casos, o noivo ser obrigado a realizar o casamento com a defunta antes do funeral, arcar com as despesas que deveria ter feito antes e depois completar com aquelas inerentes ao funeral.”
De acordo com o bispo de Cabinda, a crença exacerbada no feiticismo provoca uma pressão psicológica que enche as pessoas de medo, com a insistência de ameaças de que “vais ver o que vai te acontecer.”
Com essas ameaças – prosseguiu – a pessoa passa a viver insegura, com medo, a ponto de que doenças normais ou simples gatos que passam por cima da casa ou baratas que comam alguma coisa do seu prato, enquanto dorme se tornam ocasiões de temor, julgando-se ser perseguida pela família e pela sua tradição.
A nossa realidade, referiu Dom Belmiro, diz que qualquer pessoa (juiz, procurador, advogado, académico, doutor e outros), caso não tenha realizado o casamento tradicional, “tudo isto não é nada, os seus títulos são iguais a zero e você continua frágil no seu contexto sociocultural.”
Para alguém tomar a decisão de assumir o casamento no contexto actual, sublinhou, tem de ter coragem e capacidade para enfrentar três grandes e exigentes cerimónias (tradicional, civil e religioso) e os gastos que lhe são inerentes.
Para o prelado, o casamento tradicional deve ser entendido como aquele que é realizado de acordo com os ditames da tradição. “Para os africanos, o matrimónio se torna no centro da existência e no lugar do encontro de todos membros de uma comunidade”, sublinhou.
Dom Belmiro esclareceu que o casamento religioso produz efeitos para a fé e para com a igreja. “O casamento civil produz efeitos legais para o Estado, mas, à luz dos usos e costumes, essas pessoas continuam solteiras com o agravante de terem pulado a janela ou o tecto conforme as circunstâncias”, referiu.
Belmiro Chissengueti afirmou que, para um cidadão enraizado na sua cultura e temente a Deus, os três passos (casamento tradicional, civil e religioso) são de capital importância, pois ao realizar um e desprezar os outros fica-se com a sensação de real impotência ou fraqueza.
“Na verdade realizar o casamento civil e o religioso sem o casamento tradicional, para a família você é solteiro e rebelde que não respeita a família da noiva, dando lugar ao desprezo dos dois.”
Diante deste quadro, o bispo apontou soluções para este tríplice dilema que envolve a sociedade. “É consensual que, para a cultura, a sociedade e a igreja, o casamento seja um elemento fundamental e estruturante para a estabilidade das famílias. Ninguém de boa-fé deseja que a sua filha seja levada sem compromisso por alguém que não se quer comprometer com a família. O homem não pode levar a mulher de mão beijada.”
Por isso, acrescentou o prelado, deve haver um esforço por forma a garantir a harmonia social, permitindo que os pobres e os desempregados, que são a maior parte da população, não sejam impedidos de formar família.
Assim, considerou, vai evitar-se o grande exército de “jovens encalhadas e impedidas pelas próprias famílias, que andam na expectativa de encontrar um milionário para satisfazer os seus caprichos”.
O matrimónio, no entender de Dom Belmiro, é um drama em que cada um participa como actor ou como actriz e não um mero espectador, por ser um dever, uma experiência fixada pela comunidade e um ritmo de vida em que cada um deve tomar parte.
“Daí que quem não participa é uma maldição para a comunidade, é um rebelde. Os que não cumprem com os ditames da tradição não são valorizados, nas reuniões familiares não têm palavra e chegam ao nível de serem inferiores ao ser humano.”
Segundo o bispo, se o indivíduo não se casa, significa que rejeitou a sociedade e a sociedade o rejeita também. “Estamos diante de uma questão estruturante no nosso meio social. Precisamos famílias fundadas no casamento para podermos produzir estabilidade social. Uma família constituída é também um meio de luta contra a pobreza. É um meio que permite dar qualidade à própria vida”, defendeu.
Em relação ao casamento tradicional, segundo referiu, há aspectos muito positivos que devem ser tomados em linha de conta, tais como a segurança, a certeza e o conhecimento da pessoa que entra em determinada família, bem como o acolhimento que é dado a essa pessoa, a co-responsabilidade e o compromisso ao longo da vida. “Quem casa nunca está só.”
Salvaguardados esses aspectos muito profundos do casamento tradicional, o bispo Belmiro Chissengueti reprovou os “aspectos sombrios” que devem preocupar os intelectuais, os pensadores e estudiosos de Cabinda.
“Se o casamento é um acto livre e o amor não tem cara, é preciso investigar as raízes do regionalismo que, de alguma forma, nos invade e divide a província de Cabinda entre os do Litoral, os do Zenze e os do Maiombe”, defendeu.
Para o bispo de Cabinda, torna-se imperioso dar respostas, quer política, quer social ou cultural, ao tratamento degradante dado à mulher, seja dentro do matrimónio, seja antes dele.
“Era de esperar que, depois da explosão escolar, houvesse um olhar diferente para com a mulher. Na verdade, a situação está a piorar porque os intelectuais e os cientistas estão, também, abatidos pelo medo e assobiam de lado no momento em que deveriam agir, deixando a mulher indefesa diante de uma arrogante dominação machista”, lamentou.
Críticas às listas de bens no dote de casamento
Dom Belmiro Chissengueti criticou as “listas longas” de bens pedidos no dote de casamento tradicional.
O bispo de Cabinda considerou que tais listas não são respondidas por desempregados, pessoas de salários miseráveis e dependentes. “Isto tem sido uma das causas bastante frequentes para os jovens não constituírem família”, disse.
O prelado católico apelou aos mais velhos, sobretudo as autoridades tradicionais, a terem uma palavra a dizer, face à desarmonização da comunidade quando não há famílias constituídas.
“Em quase toda a parte da África negra, a realidade é quase igual, com famílias instáveis, facturação cara, casamentos adiados e uma espécie de amor livre que não ajuda a construir a nação e a promover o desenvolvimento”, lamentou.
Segundo Dom Belmiro, neste tratamento degradante dado à mulher insere-se, também, aquilo que ela sofre em função dessa factura alta que é passada à família do marido, em razão do seu casamento. “Ela entra na relação em posição fragilizada, torna-se propriedade da família. É por isso que, quando o marido morre, a sua família, que tinha entregue uma factura bem alta, aproveita para se vingar, recebendo tudo o que ele produziu. Inclusive os bens da mulher entram em risco”, sustentou.