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O DIREITO À VIDA NÃO DEPENDE DE CONSENSOS HUMANOS

O nascituro, de fato pessoa humana, tem direitos resguardados desde a concepção, a começar pelo direito à vida, primeiro na ordem natural e pressuposto de todos os demais.

Nota conjunta das Associações de Juristas Católicos

Nós, integrantes de associações de juristas católicos, vimos, por meio desta Nota, atentos à verdadeira campanha midiática com repercussão nacional contra a atuação jurisdicional de Magistrada do Estado de Santa Catarina – que no regular exercício de seu mister constitucional cercou-se de cautelas para a proteção dos interesses abrangidos pela delicada situação que estava aos seus cuidados (é dizer, os da criança grávida e os do bebê em seu ventre) -,  manifestar nossa grande preocupação em relação à temática do aborto e à pressão para sua ilegal realização mediante o artifício de proposital distorção do tratamento constitucional e legal dado ao tema, questão que merece melhor esclarecimento em razão do máximo interesse comunitário que encerra, para a escorreita ação das autoridades e dos agentes públicos e privados de saúde, para a cobrança de suas responsabilidades, e para que cesse a destinação de recursos públicos e privados para práticas evidentemente consideradas “crimes” por nossa legislação e que têm ocorrido sob a enganosa tese de que existiriam hipóteses de “aborto legal” em nosso ordenamento jurídico.

A proibição ao aborto é de fato expressão de direito natural e encontra positivação no ordenamento jurídico – em nível infraconstitucional e constitucional[1]. Mais: por força dos Tratados e Convenções dos quais o Brasil é signatário, também está positivada em nível supralegal[2]. O direito à vida não depende de consensos humanos e sua inviolabilidade há de ser garantida independentemente do ambiente em que se encontre (intra ou extrauterino). O nascituro, de fato pessoa humana, tem direitos resguardados desde a concepção, a começar pelo direito à vida, primeiro na ordem natural e pressuposto de todos os demais.[3] Nosso sistema não prevê qualquer hipótese de “aborto legal”. Por razões de política criminal, o legislador ordinário apenas optou por não se punir o aborto nas hipóteses do art. 128, incisos I e II, do Código Penal[4]. Trata-se, a prática do aborto, mesmo em tais hipóteses, de um crime, para o qual, após cometido, o apenamento é apenas excluído, subsistindo o caráter delitivo do ato. Nesse sentido, dentre outros, pode-se citar os escólios dos insignes juristas Walter Moraes, Ricardo Dip e Maria Helena Diniz.

Não por outo motivo, conclui Ricardo Dip sobre a adequada política de direitos humanos para enfretamento de situações em que a gravidez é decorrente de estupro (ou, acresça-se, ato a esse delito equiparável):

“(d)” uma política adequada de direitos humanos, para real efetivação das normas do Pacto de São José da Costa Rica, que foram ratificadas sem reserva pelo Governo brasileiro, impõe auxílio material e psicológico para as vítimas de estupro, com o escopo de reduzir os casos de violação impunível do direito à vida (inciso II, artigo 128, Código Penal)

(e) inexistindo, no direito brasileiro em vigor, a ultrapassada figura do aborto legal, toda e qualquer prática estatal de auxílio à efetivação de abortos não–puníveis (p.ex., mediante a concessão de alvarás para a prática do crime ou instituindo serviços públicos hospitalários para matar as crianças) é atentatória dos preceitos do Pacto de São José da Costa Rica e de todo o sistema americano de direitos humanos”[5]

Já o ordenamento positivado reconhece, portanto, que pessoa é todo ser humano, que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida e que esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção (art. 1º, n. 2, e art. 4º, n. 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). E, na definição filosófica clássica, pessoa é toda substância individual de caráter racional (Boécio). É a sã filosofia que também permite compreender – desde o princípio de causalidade – que, não podendo a perfeição do efeito exceder a perfeição da causa e constituindo a forma do ente limite para suas operações, decorre logicamente que, desde a concepção, o embrião já tem, em essência, vida racional, pois apenas uma forma substancial racional (atuando como causa formal) pode ser princípio vital formativo e operativo de um ente cujas potências superiores (intelectiva e volitiva) poderão vir a ser atualizadas. E se a disponibilidade dos meios vier a verificar-se, os seres humanos em fase embrionária, essencialmente dotados, como todos os demais seres humanos, de sua dignidade de pessoa, poderão, então, atualizar sua racionalidade essencial (intelecto e vontade), vindo a tornar-se eventualmente excelentes professores, juristas, engenheiros, médicos, atletas etc. Desse modo, o reconhecimento do direito à vida – nascida ou ainda não nascida e independentemente do ambiente em que se encontre (intra ou extrauterino) – deve ter sua inviolabilidade garantida.

Não se pode ignorar que – de alguns anos para cá – a aplicação do insustentável entendimento de que caberia a obtenção de autorização para “abortamento legal” mediante a expedição de alvarás judiciais (pretensões juridicamente impossíveis – diga-se, embora existentes em grande número, na prática), para os casos em que a lei apenas exclui a pena (subsistindo sempre o crime) ou mesmo para casos diversos (em que há má-formação ou alguma doença genética) vem reverberando. Mas há, para todos esses casos, um evidente conflito entre os interesses do nascituro – cuja condição de pessoa humana é reconhecidamente inequívoca no sistema de direitos humanos nacional e internacional – e os da gestante (ou do curador desta).

É importante salientar, ainda, que a legislação brasileira leva em consideração o princípio do melhor interesse da criança, que engloba o dever de o Poder Judiciário adotar medidas práticas e menos gravosas de proteção à criança.

Do ponto de vista prático, a criança grávida desde a 20ª semana já necessitaria realizar um trabalho de parto ou a cirurgia cesariana para a remoção de seu bebê – vivo ou morto. Morto (ou seja, um aborto provocado), a mãe sofrerá um novo procedimento, qual seja o recebimento de medicamento letal para o bebê e que pode gerar efeitos colaterais seriíssimos à mãe. Usualmente, o método adotado é uma injeção na região abdominal.

Com mais de 29ª semana, o nascimento do bebê seria plenamente viável e, diante do impreterível trabalho de parto ou cirurgia cesariana para a remoção da criança, a prática mostra o que a ideologia esconde: a realização do aborto trará sofrimentos e riscos físicos e psicológicos à jovem mãe.

Por fim, no dia em que a Suprema Corte norte-americana revogou o precedente Roe v. Wade, o Brasil lamenta os esforços midiáticos de promoção do aborto em nosso País.

Nesse contexto, as associações de juristas católicos, atentas à enorme pressão midiática promovida por lobbies de setores ideologicamente empenhados na liberação da prática abortiva, entendem por bem: i) alertar para a estratégia de, invertendo-se a lógica e o direito, querer-se imprimir ao caráter da conduta da MM. Juíza – que exercia seu múnus e protegia o interesse de todos os envolvidos – a pecha de arbitrária ou delituosa; ii) exortar tanto as pessoas em alguma autoridade constituída quanto toda a sociedade a que permaneçam vigilantes aos estratagemas empregados para, em particular, ceifar a vida de um bebê, e, em geral, fazer avançar a cultura da morte em nosso país, nosso amado Brasil, Terra de Santa Cruz.

24 de junho de 2022, na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

CHRIS TONIETTO


Presidente da UBRAJUC 
LUIZ GONZAGA BERTELLI


Presidente da UJUCASP 


ROBERTO GUIMARÃES


Presidente da UJUCARJ 


EMANUEL DE OLIVEIRA COSTA JR.


Presidente da UNIJUC – Goiânia/GO
 

ADELMO DOS SANTOS JÚNIOR


Presidente da AJUCAT – Aracaju/SE


LEONARDO RODRIGO DA SILVA


Presidente da UJUCAT-SC

RAFAEL CANNIZZA

Presidente da UJUCAT – São José dos Campos/SP

[1] Constituição Federal: art. 1.º, III (dignidade da pessoa humana como fundamento da República); art. 5.º, caput (igualdade, sem distinções de qualquer natureza, e inviolabilidade do direito à vida) e incisos III (proibição da tortura), XLI (vedação à discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais), XLIII (repressão à tortura), XLVII, ‘a’ e ‘e’ (vedação à pena de morte e às penas cruéis), e parágrafos 1.º, 2.º e 3.º; art. 227 estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, dentre outros. Código Civil: art. 2º. “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”. Exegese sistemática dos artigos 1º, 2º, 6º, e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil). Estatuto da Criança e do Adolescente: art. 7º. “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” Código Penal: artigos 124 a 127.

[2] Tratados e Convenções internacionais resguardam o direito à vida do nascituro (tratados Internacionais de Direitos Humanos gozam de um status supralegal, ou seja, inferior à Constituição, mas acima de todas as leis). Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).; “art. 1º, n. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. art. 3º. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. art. 4º, n. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança: “Tendo em conta que, conforme assinalado na Declaração dos Direitos da Criança, ‘a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento’”.

[3] “Há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais” RECURSO ESPECIAL Nº 1.415.727 – SC (2013/0360491-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO .

[4] Art.128 –  Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (g.n.)

[5] Dip, Ricardo. “Sobre o aborto legal: compreensão reacionária da normativa versus busca progressiva do direito”. In “A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1999 – p. 355 a 402. Disponível em https://www.providaanapolis.org.br/images/artigos/Ab_legal_VDH_Dip.pdf

Fonte: vaticannews.va

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